Textos

Reflexões sobre Linguagem


Viviane Pasqualeto


Este seu olhar, quando encontra o meu, 
fala de umas coisas que eu não posso acreditar... 
(Música de Antônio Carlos Jobim, 1959)

Durante as últimas décadas, muitos estudos e pesquisas foram dedicados à linguagem, seu processo de aquisição, suas características, sua relação com os aspectos cognitivos e de aprendizagem, além das possíveis alterações ao longo de todo ciclo vital. Koch (1995) refere que, no curso da história, surgiram diferentes concepções de linguagem. Entre elas, cita a linguagem como forma de representação do mundo e do pensamento, como instrumento de comunicação e como forma de ação ou interação, sendo essa última aquela que concebe a linguagem como atividade, como forma de ação interindividual e como lugar de interação dentro de uma sociedade.
Os primeiros sinais de comunicação emitidos por uma criança – sejam estes palavras completas ou incompletas – são considerados um marco no desenvolvimento cognitivo e social, uma vez que a partir destes, a criança oficializa-se como membro ativo na sociedade, cuja linguagem é extremamente valorizada enquanto meio de comunicação e manifestação do pensamento (FINGER e QUADROS, 2008).
Para Bloom (1988), a linguagem é um código por meio do qual seus usuários transmitem ideias e desejos de um para o outro e estruturam seu mundo interior, ou seja, o objetivo da linguagem é a comunicação consigo mesmo e com os outros. Segundo Rotta e Pedroso (2006), a linguagem é a forma peculiar que o homem tem de se comunicar com seus semelhantes através da modalidade oral, gestual ou escrita.
Etimologicamente, a comunicação provém do verbo latino communicare, que significa pôr em comum. A finalidade da comunicação é pôr em comum ideias, sentimentos, pensamentos, desejos, assim como, compartilhar formas de comportamento e modos de vida. Comunicação é convivência e traz implícita a noção de comunidade e vida em comum. A comunicação necessita fundamentalmente de uma linguagem, de um sistema de símbolos, seja esse uma língua falada ou escrita, gestos, batidas, cores, desenhos na pedra, sinais luminosos ou sinais sonoros, como os do Código Morse¹, seja uma série de pulsos de número binário em um computador. Ou seja, a comunicação só se concretiza por meio da linguagem, mas há várias formas de linguagem, e essas não são necessariamente verbais (ANDRADE; MEDEIROS, 2006).
Sinais de trânsito, placas de proibição de fumar, apitos de guarda de trânsito, sirenes, mímicas, gestos são exemplos de linguagem não verbal. De acordo com Pinto (2009), 50% da comunicação humana é tipicamente não verbal, quando se utiliza o olhar, o corpo e os gestos. O gesto pode ser considerado uma forma de linguagem pré-verbal, uma vez que na evolução da comunicação humana precedem ao aparecimento da fala. Outras formas de linguagem não verbal que estão sendo estudas são a postura, a expressão facial, o modo de caminhar e de se vestir, enfim, a linguagem corporal (ANDRADE; MEDEIROS, 2006).
Martinez (2009, p. 21) afirma que “ler o rosto é um ato de comunicação”! A autora refere que usualmente expressões como: “os olhos dizem tudo”, “olhar cortante”, “olhar apaixonado”, entre outras, são utilizadas em virtude das mudanças da linguagem do olhar. Pinto (2009) afirma que muitas informações podem ser transmitidas através de expressões e movimentos faciais e também pelo olhar, uma vez que, o ser humano tem um forte instinto para seguir o olhar do outro, assegurando, através desse mecanismo, a manipulação da atenção a ponto de partilhar a mensagem sem emitir nenhuma palavra.
Quando, numa conversa entre duas pessoas, o fechar dos olhos de uma delas se prolongar além de um segundo, significa que a pessoa perdeu o interesse, está aborrecida ou se sente superior, acrescentando, nesse caso, o gesto de jogar a cabeça para trás, para olhar de cima para baixo (MARTINEZ, 2009, P. 93 E 94).
Também para Navarro (2010) os olhos são a maior fonte de informações sobre os mundos externos e internos de uma pessoa, sem desmerecer os movimentos nasais e labiais na comunicação não verbal. O autor afirma que desde a mais tenra idade utilizamos movimentos de lábios e nariz para manifestar sensações, sentimentos e opiniões.
A linguagem verbal, por sua vez, é representada por palavras, faladas ou escritas. A expressão escrita difere muito da oral, a primeira é livre, criativa e espontânea, e a segunda, presa às regras da gramática, cuidada e elaborada (ANDRADE; MEDEIROS, 2006). A linguagem falada, ou fala, corresponde à realização motora da linguagem e exige a participação dos órgãos e sistemas responsáveis pela produção do som da língua utilizada para comunicação – os órgãos fonoarticulatórios: lábios, língua, bochecha, palato, mandíbula, maxila e arcadas dentárias; nariz; além dos processos neurológicos (VALLE, 1996). A voz é composta por ondas sonoras que são constituídas de partículas de ar em movimento. O ar utilizado na voz sai dos pulmões, passa pela traqueia, chegando à laringe, onde sofre atuação mecânica das pregas vocais (VALLE, 1996).
A Língua é um sistema abstrato de regras gramaticais particular de um povo. De acordo com Fernandes (1998), língua é uma forma de linguagem e é necessário sabermos diferenciar uma da outra. As línguas podem ser orais-auditivas ou espaço-visuais, respectivamente podemos citar como exemplos o português e língua de sinais (utilizadas pelos indivíduos surdos).
Reily (2004) afirma que os conceitos de linguagem e comunicação são bastante amplos e complexos e, muitas vezes, são considerados sinônimos pelo senso comum. A mesma autora refere que as diferenças entre esses conceitos ficam mais claras quando estamos diante de uma pessoa que ouve, compreende o que lhe é dito, mas não apresenta oralidade devido a lesões cerebrais que afetam a neuromotricidade dos órgãos da fala. Em outras palavras, há aquisição de linguagem, mas não há comunicação oral porque os órgãos da fala não respondem às ordens do cérebro lesionado.
1 É um sistema de codificação de mensagens a distância, que foi desenvolvido em 1835, pelo americano Samuel Morse (Fonte: Andrade e Medeiros, 2006).

Referências Bibliográficas


ANDRADE, M.M; MEDEIROS, J.B. Comunicação em Língua Portuguesa. 4ed. São Paulo: Atlas, 2006.
BLOOM, L. Gat is language? in LAHEY, M. Language disorders and language development. New York: Mc Millan, 1988.
FINGER, I. A aquisição da linguagem na perspectiva behaviorista in QUADROS, R; FINGER, I. Teorias de aquisição da linguagem. Florianópolis: Ed.UFSC, 2008.
KOCH, I. A interação pela linguagem. 2ed. São Paulo: Contexto, 1995.
MARTINEZ, V. Os mistérios do rosto: manual de fisiognomonia. 2 ed. São Paulo: Madras, 2009.
REILY, L. A Escola Inclusiva: Linguagem e mediação. Campinas: Papirus, 2004.
ROTTA, N.T.; PEDROSO, F.S. Transtornos de linguagem. In ROTTA, N.T.; OHLWEILER, L; RIESGO, R.S. Transtornos da aprendizagem – abordagem neurológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2006.
VALLE, M. A voz da fala. Rio de Janeiro: Revinter, 1996. 72p.



A importância do brincar no desenvolvimento infantil


Ao iniciar as reflexões sobre o ato de brincar, devemos enfocar as palavras do estudioso Eugenio Tadeu Pereira que o faz de forma muito detalhada ao relatar uma experiência sua, em que evidencia a naturalidade do brincar.

Fazia calor. O ônibus chacoalhava e „barulhava‟. Uns amigos e eu voltávamos   de um passeio no parque Xochimilco, na Cidade do México. Nossas mãos estavam abarrotadas de brinquedos que compramos nas pequenas lojas de artesanato. Éramos curiosos e pesquisadores do brinquedo. Comigo também estava um cavalinho de pau. No ônibus, à minha frente, do lado direito, uma criança, miúda e morena, no colo da mãe me espiava fortuitamente com um olhar sério. Olhei-a, pisquei os olhos, fiz ligeiras e tênues caretas. Ela continuava do mesmo jeito. Lembrei-me, então, do cavalinho em minhas mãos. Ao som de „toc toc, toc toc, toc toc...‟, aproximava e afastava o cavalinho da criança. Às vezes, escondia-o atrás do banco. Os olhos do menino começaram, aos poucos, a mostrar um brilho diferente e, nesse embalo, pude vê-lo abrindo o rosto, sorrindo e aceitando o convite para a brincadeira. Entrara no jogo, ora se escondendo no colo da mãe, ora reaparecendo, chamando o cavalinho e olhando para mim. Aos poucos, dos tímidos sorrisos, passou a deliciosas gargalhadas. Na esfera do imaginário, naquele pequeno universo de relação, dois seres se encontraram por intermédio de um brinquedo. Por uns quinze minutos ficamos mergulhados nesse diálogo simbólico (PEREIRA, 2009, p. 17).

O autor (2009) complementa seu relato afirmando que durante esse encontro não houve falas, apenas movimentos e gestos sonoros, que sinalizavam a intencionalidade daquele momento – um adulto e uma criança, dois seres de universos diferentes com uma linguagem explícita além das palavras, linguagem esta que transcorre por toda a experiência de vida. Para ele, o brincar é um ato de descobertas, indagações, escolhas e recriações, é uma das formas mais ricas que a criança possui para se relacionar com o mundo, apreendê-lo e compreendê-lo, enfim, para se expressar.
Nessa perspectiva, Vorcaro (2006) destaca que o brincar é a prática da linguagem na íntegra, pois a criança produz um discurso lúdico e motor ao qual incorpora sentidos e lugares, muito antes de completar sua aquisição de linguagem ou, até mesmo, antes de falar seu próprio nome. Valorizando a expressividade do brincar, Pereira (2009) salienta a diferença entre o brincar como forma de expressão e o brincar como ferramenta. Ao se utilizar o ato apenas como ferramenta há privação de possibilidades para a criança, enquanto, se utilizado como forma de expressão, oportuniza-se à criança o exercício de reelaborar uma dada realidade com novos significados, formando sua identidade e tornando-a presente no mundo com sua individualidade e como participante de um grupo social.
Vieira, Carvalho e Martins (2009), na tentativa de definir o brincar, transcorrem, em contextos diferentes, sobre essa ação, desde “a brincadeira de um cachorrinho que corre atrás da bola, até aquela na qual experientes jogadores de xadrez disputam uma partida” (p.30), e em termos utilizados como sinônimos – brincar, jogar, brincadeira, atividade lúdica.
Brougère (1998), citado por Wajskop (1995), afirma que o termo jogo possui três diferentes possibilidades de significados: situação de jogo de competição entre pessoas (por exemplo, o futebol), atividades ou jogos com regras (amarelinha, por exemplo) e ainda, como material que compõe um jogo. Conforme Wajskop (1995), numa perspectiva sociocultural, o brincar pode ser definido como uma forma de a criança interpretar e assimilar o mundo, os objetos, a cultura, as relações e os laços afetivos. Seguindo com raciocínio da mesma autora, o brincar é uma atividade social infantil, na qual a criança pensa e vivencia situações novas ou cotidianas, isenta de pressões situacionais.
Piaget (1971) classifica o ato de jogar em exercício, símbolos e regras, baseando-se nas três fases de desenvolvimento cognitivo. O exercício é representado pela repetição de gestos simples, atividades exploratórias e movimentos do próprio corpo – jogos de exercício sensório-motor. A fase do simbólico compreende a faixa entre dois e seis anos, quando a tendência da criança é a ficção ou fantasia. O jogo de regras inicia-se por volta dos cinco anos, mas se desenvolve na fase entre sete e doze anos, mantendo-se por toda a vida do ser humano. Ele se caracteriza pelo uso sistemático de regras estabelecidas pelo grupo.
Vygotsky (2007) aponta ganhos sociais, cognitivos e afetivos para a criança que exerce o brincar, afirmando que a brincadeira oportuniza a chamada zona de desenvolvimento proximal no desenvolvimento infantil. A zona de desenvolvimento proximal é a denominação dada por Vygotsky para a distância entre o nível de desenvolvimento atual e o nível de desenvolvimento potencial. O nível de desenvolvimento atual pode ser exemplificado como a capacidade de resolver um problema de forma independente, enquanto o nível de desenvolvimento potencial, pela resolução de um problema com o auxílio de um interlocutor mais experiente.
Para Vygotsky (2007), o brincar não é apenas uma fonte de prazer à criança, até porque algumas brincadeiras, como jogos e competições, causam desprazer e até sofrimento a elas. O ato de brincar é também interação e propicia a construção de aprendizagem através da troca mútua e da evolução imaginária da criança.
Definir o brinquedo como uma atividade que dá prazer à criança é incorreto por duas razões. Primeiro, muitas atividades dão à criança experiências de prazer muito mais intensas do que o brinquedo, como, por exemplo, chupar chupeta, mesmo que a criança não se sacie. E, segundo, existem jogos nos quais a própria atividade não é agradável, como, por exemplo, predominantemente no fim da idade pré-escolar, jogos só dão prazer à criança se ela considera o resultado interessante (VYGOTSKY, 2007, p. 107).
Na perspectiva Vygotskyana, o ato de brincar não é natural e sim socialmente construído, evidenciando o valor fundamental das vivências sociais e culturais relacionadas à aprendizagem.
A situação imaginária de qualquer forma de brinquedo já contém regras de comportamento, embora possa não ser um jogo com regras formais estabelecidas a priori. A criança imagina-se como mãe e a boneca como criança e, dessa forma, deve obedecer às regras do comportamento maternal (VYGOTSKY, 2007, p. 110).
Durante a brincadeira, as crianças podem vivenciar desafios que extrapolam seu cotidiano natural, possibilitando, assim, a criação de hipótese na ânsia de entender ou resolver os problemas propostos. Ao brincar em grupo, as crianças podem construir laços reais entre si e, ao mesmo tempo, elaborar regras de organização e de convivência, o que transforma a brincadeira em um privilegiado local de interação e conflito de distintas crianças e suas diferentes opiniões (MOYLES, 2002; WAJSKOP, 1995).
Às vezes, o brincar de faz de conta, especialmente envolvendo o uso da linguagem para explorar os conceitos e imagens criados dentro da criança, pode ajudá-la a aprender alguma coisa sem experienciá-la por si mesma, por exemplo, que o fogo queima. Transformar a casinha na Casa dos Três Ursinhos pode ajudar as crianças a sentir como é estar assustado e sozinho, e proporciona ricas oportunidades de linguagem comparativa (MOYLES, 2002, p. 62).
Wajskop (1995) estabeleceu características do brincar assim evidenciadas:
  •  Enredo ou situação imaginária - as crianças brincam, interagem e se comunicam a partir de um enredo ou situação imaginária, identificados através de verbalizações ou sinais e gestos corporais relacionados à brincadeira.
  • Fantasia e representação de papéis – atribuem a si próprias e aos outros, inclusive bonecos ou objetos, representações diversas como se fossem um adulto, um animal, etc.
  • Simbolismo – substituem objetos atribuindo-lhes significados diferentes do convencional.
  • Regras – elaboram normas presentes e respeitadas em toda a brincadeira.
  •  Interação e negociação – a interação permite a negociação, a qual possibilita atribuições de significados às ações, aos objetos e aos personagens que participam da brincadeira.
  • Decisões – o que, onde, com o que, com quem e por quanto tempo são as decisões que as crianças fazem no momento do brincar.
  • Desprovimento – não há finalidades e objetivos explícitos

Finnie (1980) refere que o ato de brincar propicia à criança o conhecimento de si própria e do mundo que a rodeia. Ele faz parte do processo natural de desenvolvimento, pois é brincando que a criança, por exemplo, descobre suas mãos e aprende a utilizá-las, é brincando que a criança experiencia outras partes do seu corpo, distingue diferenças entre formas e texturas de objetos levando-os à boca e manipulando-os. Ao se deslocar de um lado para o outro, engatinhando, por exemplo, a criança adquire noções de distância e de tempo que a separam dos objetos. Dessa forma, garante vivências sensoriais, motoras, cognitivas e afetivas.
Lorenzini (2007) reforça que a brincadeira é um ato fornecedor de experiências necessárias para o pleno desenvolvimento de uma criança. Essa plenitude abrange aspectos sensoriais, motores, perceptuais, cognitivos, afetivos e culturais. Como refere Winnicott (1971), a brincadeira é universal e é própria da saúde, pois facilita o crescimento, propicia relacionamentos grupais e diferentes formas de comunicação.

Referências Bibliográficas

BROUGÈRE, G. Jeu Et Éducation. Le Jeu Dans La Pédagogie Prescolaire Depuis Le Romantisme. Paris, 1993. Thèse Pour Le Doctorat D‟etat Des Lettres Et Sciences Humaines. Université Paris V.
FINNIE, N.A. O manuseio em casa da criança com paralisia cerebral. 2ed. São Paulo: Manole, 1980.
LORENZINI, M. V. Brincando a brincadeira com a criança deficiente – novos rumos terapêuticos. Barueri: Manole, 2007.
MOYLES, J.R. Só brincar? O papel do brincar na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2002.
PEREIRA, E.T. Brincar e criança in CARVALHO, A. et al. Brincar(ES). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.
PIAGET, J. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1971.
VIGOTSKI, L. A Formação Social da Mente. 7ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
______. O desenvolvimento psicológico na infância. São Paulo: Martins Fontes, 2003
VYGOTSKY, L. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
______. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

VORCARO, A. Brincar in LEITE, N.V.A. Corpolinguagem: angústia: o afeto que não engana. Campinas: Mercado de Letras, 2006.
WAJSKOP, G. O Brincar na Educação Infantil. Caderno Pesquisa, São Paulo, n.92, p.62-69, fev. 1995.
WINNICOTT, D.W. A criança e o seu mundo. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971

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